José de Assis Santiago Neto
Sócio do Santiago Associados Advocacia Criminal
Doutor em Direito Processual (PUC Minas)
Professor de Direito Penal e Processual Penal PUC Minas
A nova lei 13.694/2019, apelidada de pacote anticrime, que entrou em vigor no dia 23 de janeiro de 2020 e trouxe uma série de inovações em matéria penal e processual penal modificou o art.316 do Código de Processo Penal para inserir em seu parágrafo único a exigência que o juízo que ordenou a prisão preventiva a revise a cada 90 dias.
Essa inovação não significa que a prisão preventiva dure o prazo de 90 dias, mas que ela deverá ser revisada quando à sua necessidade e atualidade pelo juízo que decretou a medida restritiva de liberdade a cada periodicamente, sob pena de ser considerada ilegal e, consequentemente, poder ser relaxada. A cada revisão o juiz deverá analisar de forma fundamentada se ainda estão presentes os requisitos e pressupostos para a prisão preventiva. Vale lembrar que a prisão preventiva só poderá ser decretada se a necessidade se basear em razões concretas e atuais, ou seja a prisão não poderá ser decretada em razão de fatos pretéritos ou de meras suposições sem vinculação com elementos fáticos existentes e demonstrados.
Como a lei 13.964 entrou em vigor em 23 de janeiro de 2020, o prazo de noventa dias, para as prisões ocorridas antes da entrada em vigor da lei, a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais vem entendendo que o prazo deverá ser contado da data em que a lei entrou em vigor, como se vê nas ementas abaixo:
EMENTA: HABEAS CORPUS – HOMICÍDIO TENTADO – PRISÃO PREVENTIVA – IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ – HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO – PRONÚNCIA – REQUISITOS DOS ARTIGOS 312 E 313 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO – PERICULOSIDADE DO AGENTE E RISCO À ORDEM PÚBLICA – CONDIÇÕES PESSOAIS – REVISÃO DA MEDIDA CAUTELAR A CADA 90 (NOVENTA) DIAS – CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO VERIFICADO. A tese relativa à identidade física do juiz que profere decisão de pronúncia é matéria impugnável por Recurso em Sentido Estrito, nos termos do art. 581, inciso IV, do Código de Processo Penal (CPP). Desse modo, a impetração de Habeas Corpus não pode ser utilizada como substitutiva de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade de tal garantia constitucional, salvo flagrante ilegalidade que justifique a concessão da ordem de ofício. Não há ilegalidade na prisão preventiva quando demonstrado, com base em fatos concretos, a necessidade da segregação cautelar e a inadequação de sua substituição por medidas cautelares diversas. A lei processual penal rege-se, em regra, pelo princípio do tempus regit actum. Assim, o início da revisão entabulada no parágrafo único do artigo 316 do CPP deve ocorrer apenas em 90 (noventa) dias após a vigência da lei 13.964/19 (TJMG – Habeas Corpus Criminal 1.0000.20.019859-6/000, Relator(a): Des.(a) Anacleto Rodrigues , 8ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 13/04/0020, publicação da súmula em 13/04/2020)
EMENTA: HABEAS CORPUS – HOMICÍDIO QUALIFICADO – PRISÃO PREVENTIVA – REQUISITOS AUTORIZADORES DA PRISÃO PREVENTIVA DO ART. 312 DO CPP – CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS – CABIMENTO DE MEDIDAS DIVERSAS DA PRISÃO – REITERAÇÃO DE PEDIDOS – EXCESSO DE PRAZO – INOCORRENTE – AUSÊNCIA DE REVISÃO DA NECESSIDADE DA PRISÃO PREVENTIVA NOS TERMOS DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 316 DO CPP – INOCORRÊNCIA – ALEGAÇÃO DE POSSIBILIDADE DE DEFERIMENTO DA PRISÃO DOMICILIAR ESPECIAL NO CONTEXTO DA PANDEMIA DA COVID-19 – CARÊNCIA DOCUMENTAL – AUSÊNCIA DE DOCUMENTOS NECESSÁRIOS À APRECIAÇÃO DOS PEDIDOS – NÃO APRECIADO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA – RISCO DE INDEVIDA SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA – CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO VERIFICADO – ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NA PARTE CONHECIDA, DENEGADA.
1. De acordo com a súmula 53 deste E. TJMG, tratando-se de mera reiteração de pedido anterior, já julgado, não se conhece de parte do pedido de habeas corpus.
2. As normas de natureza processual penal, consoante o art. 2º do CPP, não têm efeito retroativo, de modo que não são alcançados os atos já praticados sob a égide da lei antiga, por incidência do princípio do tempus regit actum, salvo quando normas de natureza mista e em benefício ao réu. Destarte, quanto à necessidade de revisão da prisão preventiva a cada 90 (noventa) dias, inovação trazida pela Lei 13.964/19, tem-se que tal prazo é contado do dia de entrada em vigor da referida lei, não da data da decretação da custódia cautelar. Consoante o art. 20 da Lei 13.964/19, esta entrou em vigor decorridos 30 (trinta) dias de sua publicação oficial, ou seja, desde o dia 23 de janeiro de 2020. Uma vez que a decisão pela manutenção da custódia cautelar (fls. 244 dos autos de origem) data do dia 19 de março de 2020, dentro do prazo de 90 (noventa) dias previsto, não há que se falar em ilegalidade na prisão preventiva do paciente.
3. Quanto à possibilidade de concessão da prisão domiciliar especial no âmbito da pandemi a da COVID-19, se o tema ainda não foi averiguado pelo juízo primevo, não pode este egrégio Tribunal de Justiça decidir a questão, sob pena de indevida supressão de instância. Ainda, de plano, verifica-se que o feito não foi devidamente instruído, não tendo sido colacionado aos autos pela defesa técnica nenhum documento comprovando de que o paciente se enquadra nas hipóteses contidas na Portaria Conjunta nº 19/PR-TJMG/2020 ou da Recomendação nº 62/2020 do CNJ. Ressalta-se, consoante cediço, que o habeas corpus não comporta dilação probatória, sendo necessária, para a sua devida análise, prova pré-constituída, ônus este que incumbe ao impetrante, sob pena de não conhecimento.
4. Ordem parcialmente conhecida e, na parte conhecida, denegada. (TJMG – Habeas Corpus Criminal 1.0000.20.034033-9/000, Relator(a): Des.(a) Kárin Emmerich , 1ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 05/05/0020, publicação da súmula em 05/05/2020)
Entretanto, pode-se indagar se a norma que regulamenta a revisibilidade da prisão seria meramente penal, para a aplicação do princípio do tempus regit actum ou se seria uma lei penal híbrida, possibilitando sua retroatividade para a contagem do prazo da data da prisão e não da data da entrada em vigor da nova lei. Outra forma de se analisar a questão é se pensar que a nova norma possui caráter de garantia fundamental e amplia o rol de garantias ligadas à liberdade individual e que, por isso deveria ser atingida pelo princípio da retroatividade da lei penal benigna, ampliando-se a tutela individual.
Vale dizer também que o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais vem flexibilizando o prazo de 90 dias para entender que não seria ilegal a falta de revisão da decisão em prazo ligeiramente superior aos 90 dias estabelecidos em lei, como se vê nos julgados abaixo:
EMENTA: HABEAS CORPUS – TRÁFICO DE DROGAS – ILEGALIDADE DA PRISÃO – REQUISITOS DA PRISÃO PREVENTIVA – IMPETRAÇÃO ANTERIOR DE WRIT – APLICAÇÃO DA SÚMULA 53 DESTE TRIBUNAL – OFENSA AO ARTIGO 316 DO CPP – REVISÃO NONAGESIMAL DA PRISÃO PREVENTIVA – PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE – NÃO VIOLAÇÃO – CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO VERIFICADO. Não se conhece de habeas corpus que configura verdadeira reiteração de pedido anterior a ser decidido na mesma sessão da presente impetração. Se a revisão da segregação cautelar do paciente ocorreu em prazo ligeiramente superior aos 90 (noventa) dias previstos no parágrafo único do artigo 316 do CPP, não há que se falar em ilegalidade da prisão. A análise de atenuantes, minorantes e causas especiais de diminuição de pena fogem da célere via do Habeas Corpus, só sendo possível quando da prolação de sentença, sendo incabível a concessão da ordem por presunção, não se verificando, portanto, ofensa ao princípio da proporcionalidade (TJMG – Habeas Corpus Criminal 1.0000.20.036583-1/000, Relator(a): Des.(a) Edison Feital Leite , 1ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 09/06/2020, publicação da súmula em 09/06/2020)
EMENTA: HABEAS CORPUS – HOMICÍDIO QUALIFICADO – EXCESSO DE PRAZO NA REVISÃO DA NECESSIDADE DE MANUTENÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA – OFENSA AO ART. 316 DO CPP – INOCORRÊNCIA – ORDEM DENEGADA. 1. Se a revisão da segregação da custódia cautelar do paciente ultrapassou ligeiramente o prazo de 90 (noventa) dias previsto no art. 316 do CPP, não há que se falar em ilegalidade da prisão. 2. Denegado o habeas corpus. (TJMG – Habeas Corpus Criminal 1.0000.20.443303-1/000, Relator(a): Des.(a) Eduardo Brum , 4ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 08/07/0020, publicação da súmula em 10/07/2020)
Portanto, vale ficar ligado no novo parágrafo único do art. 316 do Código de Processo Penal. Se liga!