O art. 4º da Resolução Conjunta nº1, de 15 de abril de 2014 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) traz expressamente que é direito das pessoas transexuais masculinas e femininas em situação de cárcere ficarem recolhidas em estabelecimentos prisionais femininos.
Mesmo com a resolução de 2014 este direito é constantemente violado pelo Estado brasileiro, que insiste em violar a integridade física e também a dignidade da pessoa humana ao manter transexuais em estabelecimentos carcerários não adequados.
Sem contar que o próprio Supremo Tribunal Federal já decidiu sobre essa questão em julgados como o da ADI 4275, RE 670.422, e mais recentemente, em 2019 na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 527.
Em sua decisão o Ministro Barroso disse:
“33. O encaminhamento das transexuais femininas a presídios femininos segue a mesma lógica. Trata-se da única medida apta a possibilitar que recebam tratamento social compatível com a sua identidade de gênero. Trata-se, ademais, de providência necessária a assegurar a sua integridade física e psíquica, diante do histórico de abusos perpetrados contra essas pessoas em situação de encarceramento. Não há, no caso, uma opção aberta ao Poder Público sobre como tratar esse grupo, mas uma imposição que decorre dos princípios constitucionais da dignidade humana, da liberdade, da autonomia, da igualdade, do direito à saúde e da vedação ao tratamento cruel e à tortura.”
Porém, nem mesmo a referida resolução, bem como as decisões do Supremo Tribunal
Federal estão sendo capazes de mudar a realidade pelo Brasil, cabendo a busca
desse direito através de advogados.
Além do direito de ficarem recolhidas em unidades prisionais femininas, as pessoas transexuais tiveram outros direitos resguardados pela resolução, sendo os principais: o reconhecimento e a obrigatoriedade da utilização do nome social; às mulheres transexuais deverá ser garantido tratamento isonômico ao das demais mulheres em privação de liberdade; facultados o uso de roupas femininas ou masculinas, conforme o gênero, e a manutenção de cabelos compridos, se o tiver, garantindo seus caracteres secundários de acordo com sua identidade de gênero; visita íntima; a manutenção do seu tratamento hormonal e o acompanhamento de saúde específico.
Essa resolução tenta, na medida do possível, resguardar um pouco da saúde física e mental da pessoa transexual que está sob custódia estatal. Sabemos que o ambiente carcerário é hostil e degradante, porém, ter resguardado um estabelecimento prisional mais adequado, bem como ter respeitado o uso do seu nome social bem como a continuidade dos tratamentos hormonais, já reduz um pouco os danos causado pelo cárcere.
Como a sociedade evolui nos debates das questões de gênero de maneira muito mais dinâmica que o nosso legislativo, os demais órgãos públicos, entre eles o poder judiciário, se movimenta para trazer respostas a problemas urgentes, como esse apresentado pelas pessoas transgêneras em situação de cárcere, onde são constantemente abusadas sexualmente e sofrem diversas agressões a sua integridade física, psicológicas e morais, em estabelecimento prisional masculino.
Porém, ainda sim as questões de gênero avançam mais rápido do que o poder judiciário consegue acompanhar.
Nesse ponto surge a questão dos não binários, que são as pessoas que não se identificam com o gênero masculino, nem com o feminino, mesmo compondo sua personalidade com elementos que envolve a construção deste binarismo social. Como essa questão ainda não chegou ao judiciário de maneira clara, acredito que devemos buscar o ponto central da resolução, que visa proteger a integridade física e psíquica da pessoa no cárcere, sendo que os não binários correriam riscos próximos as pessoas transexuais, sendo possível estender a resolução para essas pessoas também.
Infelizmente essa é apenas umas das diversas facetas cruéis de um poder estatal classista, racista e também transfóbico, que comete diversas agressões durante todo o processo, começando pela prisão em flagrante, até desembocar em um encarceramento cruel e extremamente inadequado.
São vulneráveis todos os indivíduos que não fazem parte da normalidade e enfrentam o poder instituído em busca da sua sobrevivência, sendo marcados nesse processo como indesejáveis, não gerando mobilização ou ganhando visibilidade da grande mídia em debates tão necessários como esse, sendo jogados sempre à margem da sociedade.
.