Unidades de internação de adolescentes não podem ultrapassar capacidade projetada

” Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;

b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;

c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

 Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.”

Os artigos 4 e 5 do Estatuto da Criança e do Adolescente são claros no dever do Estado na proteção do menor, garantindo todos os direitos relacionados à vida, saúde, alimentação, educação e etc.

Diante disso, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade determinou que as unidade de execução de medida socioeducativa de internação de adolescentes em todo o país não  podem ultrapassar a sua capacidade projetada.

A decisão da Segunda turma fixa diversos critérios para evitar a superlotação, entre eles a transferência, a internação domiciliar e a reavaliação dos casos em que não tenha havido violência ou grave ameaça.

Tal decisão ocorreu em um Habeas Corpus coletivo (HC 143988), proposto pela Defensoria Pública, na sessão virtual encerrada no dia 21 de agosto de 2020.

Prevaleceu o voto do Ministro Edson Fachin, sendo seguido pelos demais membros da turma, fixando então critérios a serem observados pelos magistrados que atuam diretamente nas unidades de internação e que operam com a taxa de ocupação superior à capacidade projetada.

Entre os critérios apontados estão a liberação de nova vaga na hipótese de ingresso e a reavaliação dos adolescentes internados exclusivamente em razão da reiteração em infrações cometidas sem violência ou grave ameaça à pessoa.

Ficou determinado ainda que pode haver a transferência dos adolescentes sobressalentes para outras unidades que não estejam com capacidade de ocupação superior ao limite projetado, sempre levando em consideração a localidade próxima à residência dos seus familiares, resguardando o direito do adolescente de manter o convívio importante com sua família .

Porém, caso as medidas ainda sejam insuficientes e a transferência não seja possível, o magistrado deverá atender ao parâmetro fixado no artigo 49, inciso II, da Lei 12.594/2012:

Art. 49. São direitos do adolescente submetido ao cumprimento de medida socioeducativa, sem prejuízo de outros previstos em lei:

I – ser acompanhado por seus pais ou responsável e por seu defensor, em qualquer fase do procedimento administrativo ou judicial;

II – ser incluído em programa de meio aberto quando inexistir vaga para o cumprimento de medida de privação da liberdade, exceto nos casos de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa, quando o adolescente deverá ser internado em Unidade mais próxima de seu local de residência;

III – ser respeitado em sua personalidade, intimidade, liberdade de pensamento e religião e em todos os direitos não expressamente limitados na sentença;

IV – peticionar, por escrito ou verbalmente, diretamente a qualquer autoridade ou órgão público, devendo, obrigatoriamente, ser respondido em até 15 (quinze) dias;

V – ser informado, inclusive por escrito, das normas de organização e funcionamento do programa de atendimento e também das previsões de natureza disciplinar;

VI – receber, sempre que solicitar, informações sobre a evolução de seu plano individual, participando, obrigatoriamente, de sua elaboração e, se for o caso, reavaliação;

VII – receber assistência integral à sua saúde, conforme o disposto no art. 60 desta Lei; e

VIII – ter atendimento garantido em creche e pré-escola aos filhos de 0 (zero) a 5 (cinco) anos.

§ 1º As garantias processuais destinadas a adolescente autor de ato infracional previstas na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), aplicam-se integralmente na execução das medidas socioeducativas, inclusive no âmbito administrativo.

§ 2º A oferta irregular de programas de atendimento socioeducativo em meio aberto não poderá ser invocada como motivo para aplicação ou manutenção de medida de privação da liberdade.”

Sendo assim, diante do disposto a referida lei , em caso de ser insuficiente as medidas apontadas para evitar o ambiente superlotado, o adolescente pode ser incluído em programa de meio aberto, exceto nos casos de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa, quando ele deverá ser internado em unidade mais próxima de seu local de residência.

A segunda Turma ainda definiu que na hipótese de impossibilidade de adoção dessas medidas, deve haver a conversão da internação em internações domiciliares, sem qualquer prejuízo ao correto cumprimento do plano individual de atendimento, podendo ser adotadas diligências adicionais para viabilizar seu adequado acompanhamento e execução. Pela decisão, a internação domiciliar poderá ser cumulada com a imposição de medidas protetivas e/ou acompanhada da advertência ao adolescente infrator de que o descumprimento injustificado do plano individual de atendimento ou a reiteração em atos infracionais poderá acarretar a volta ao estabelecimento de origem.

Por fim foi sugerido a criação de um Observatório Judicial no STF, para verificar o cumprimento das internações socioeducativas na forma de comissão temporária com o objetivo de acompanhar os efeitos da deliberação neste caso, especialmente em relação aos dados estatísticos sobre o cumprimento das medidas estabelecidas e o percentual de lotação das unidades de internação.

Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que nove estados apresentam índice da taxa de ocupação acima de 100%: Acre, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Minas Gerais, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Sergipe.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) deferiu medidas provisórias para proteção à vida e à integridade pessoal de todas as crianças e adolescentes em unidades de internação no Espírito Santo e em São Paulo.

Fachin assinalou, ainda, que os meios de ampliar a proteção dos bens jurídicos devem ser objeto de debates no Legislativo, mas cumpre ao Judiciário zelar pelo respeito aos direitos fundamentais e atuar nas hipóteses de violação iminente ou em curso. A seu ver, a limitação do ingresso de adolescentes nas unidades em patamar superior à capacidade de vagas projetadas, além de cessar as possíveis violações, previne a afronta aos preceitos da Constituição Federal que asseguram a proteção integral dos adolescentes, além de fortalecer o postulado de respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

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