Para quem já presenciou a cena tão comum nos corredores dos fóruns criminais é impactante ver a imagem de uma pessoa algemada, vestindo a roupa da unida prisional, escoltada por policiais armados e andando de cabeça baixa.
Agora imaginem o poder que essa imagem tem para o corpo de jurados em um tribunal do júri? A primeira imagem que fica na mente dos jurados diante dessa cena é a de que o réu é uma pessoa realmente culpada e perigosa .
Dependendo da idade do leitor cada um terá uma referência, mas, quem teve sua infância nos anos 80/90 vai se lembrar perfeitamente do o uniforme dos irmãos metralhas, bem como o de diversos outros desenhos animados que representavam seus personagens criminosos com a roupa listrada de preto e branco.
Tal uniforme surgiu nos Estados Unidos no século XVIII, e o padrão logo foi adotado como forma universal de identificação de detentos. Tal escolha se dava por ser uma roupa incomum, fácil de identificar um fugitivo no meio de outras pessoas.
Tradicionalmente as listras eram utilizadas para identificar grupos excluídos e marginalizados. Na Idade Média, eram reservadas a pessoas banidas da sociedade, doentes ou então bandidos, prostitutas e etc. Nessa época as listras eram vistas com escarnio, gerando o isolamento dos que vestiam.
Adiantando a história as listras ainda foram usadas no uniforme dos judeus nos campos de concentração nazista. Porém, hoje em dia foram substituídas em diversos locais do mundo por uniformes em cores fortes como o laranja e o vermelho, mantendo o mesmo propósito de facilitar a identificação do preso em caso de fuga.
Acontece, que hoje somos bombardeados por centenas de programas que exploram a criminalidade, estampando diariamente nas principais manchetes dos jornais jovens, negros, com uniforme da unidade prisional, criando assim uma nova identificação do criminoso perigoso e culpado na mente das pessoas.
Faz parte do dia-a-dia da justiça crimina, o réu preso sair das unidades prisionais e ser encaminhado para o julgamento com as roupas da secretaria de segurança pública do Estado, seja ela amarela, laranja, vermelha. Para o julgamento de crimes comuns que serão sentenciados por um juiz togado, pode até não fazer tanta diferença. Contudo, a realidade do tribunal do júri é outra. Quem toma a decisão sobre o destino da vida do réu são os 11 jurados leigos, que são fortemente impactados por essas cenas do cotidiano do direito penal.
Pensando nesse cenário, diante da negativa do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que negou o pedido da defesa para que o réu se apresenta-se no plenário do Júri com suas roupas cotidianas, e não com uniforme do presídio, a5ª Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu que o réu tem direito a apresentar-se ao tribunal do júri com suas próprias roupas em vez do uniforme do presídio. A determinação, segundo a Corte, é em respeito aos princípios da não culpabilidade, da plenitude da defesa e da presunção de inocência.
A decisão vem colocar em prática algo antigo, definido nas normas mínimas para o tratamento do preso, estabelecidas pela Organização das Nações Unidas, na resolução 663 C I, XXIV, de 31 de julho de 1957, aditada pela resolução 2076,LXII, de 13 de maio de 1977), no 17. 3, que estabeleceu :
“3) Em circunstâncias excepcionais, sempre que um recluso obtenha licença para sair do estabelecimento, deve ser autorizado a vestir as suas próprias roupas ou roupas que não chamem a atenção..”.[i]
Em sua decisão o Ministro Ribeiro Dantas destacou:
“Mutatis mutandis, a par das algemas, tem-se nos uniformes prisionais outro símbolo da massa encarcerada brasileira, sendo, assim, plausível a preocupação da defesa com as possíveis pré-concepções que a imagem do réu, com as vestes do presídio, possa causar ao ânimo dos jurados leigos. Como ressaltado pela defesa, “as vestimentas diárias de recolhimento utilizadas trazem uma inegável associação à violência, à sangue, de maneira a construir uma inevitável imagem negativa do réu perante os jurados.” (e-STJ, fl. 576).”[ii]
Completando ainda:
“Ressalta-se que a pretensão em absolutamente nada interfere o desenvolvimento regular do rito, não trazendo qualquer prejuízo ao processo. Por certo que à defesa pode conferir uma garantia de “neutra concepção acerca do acusado pelo Júri.” (e-STJ, fl. 576), em exaltação da presunção de inocência ou não culpabilidade, estampada no art. 5ª, LVII, da CF”
O direito penal que adotamos no Brasil é o direito penal do fato e não do autor, então se julga o fato praticado pelo acusado, sem passar pela pessoa do acusado, suas vestimentas, suas crenças e etc. Entretanto, o julgamento pelo tribunal do júri é formado por juízes leigos que decidem de forma desmotivada, muitas vezes de acordo com suas crenças, histórias de vida e etc, sem expor as razões, por tal razão a presença de um símbolo de culpa como esse no júri pode causar uma formação de culpa antes mesmo de iniciar os debates.
Essa é uma decisão em um caso específico, alguns juízes pelo
Brasil ainda não adotam tal postura. Mas cabe ao defensor ficar atento e saber
se portar para resguardar todos os direitos de seu cliente.
[i] https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/comite-brasileiro-de-direitos-humanos-e-politica-externa/RegMinTratRec.html
[ii] https://static.poder360.com.br/2019/08/Relato%CC%81rio-re%CC%81us-uniforme-presi%CC%81dio.pdf