A configuração do crime de estelionato na modalidade de emissão de cheque sem fundos exige dolo de fraude por parte do agente

O ato de emitir um cheque sem fundos pode configurar uma das modalidades do crime de estelionato, conforme previsão do art. 171, §2º, VI, do Código Penal. Ao pé da letra da lei, levando-se em conta sua literalidade, qualquer emissão de cheque sem provisão de fundos poderia estar enquadrada no crime citado e sujeita a uma pena de um a cinco anos de reclusão além de multa.

Porém, a questão não é tão simples assim, o crime de estelionato exige, conforme o caput do art. 171, o elemento fraude como meio da ação do agente para obter a vantagem indevida mantendo em erro a vítima do delito. Assim sendo, para a existência do crime, em todas suas modalidades é necessário que o elemento fraude esteja presente, devendo o agente ter a intenção de fraudar a vítima para obter dela vantagem patrimonial.

É nesse sentido que aponta o Superior Tribunal de Justiça com a súmula 246, que diz que “comprovado não ter havido fraude, não se configura o crime de emissão de cheque sem fundos”. Como o delito de emissão de cheques sem provisão de fundos é uma das modalidades do crime de estelionato, ela também exige a fraude como seu elemento, devendo o agente agir dolosamente com a finalidade de enganar a vítima, não bastando a simples emissão descuidada do cheque. A simples emissão de cheques sem fundos, sem dolo de fraudar a vítima, configura apenas um ilícito civil que poderá ser cobrado judicialmente em procedimento de execução do título de crédito e o emissor do cheque terá a obrigação de arcar com o valor da dívida acrescidos acrescidos de correção monetária e juros de mora, além de outras despesas geradas para o exequente, porém, o emissor não comete nenhum delito.

Nesse sentido, já decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais:

EMENTA: APELAÇÃO – ESTELIONATO – EMISSÃO DE CHEQUE PÓS-DATADO SEM SUFICIENTE PROVISÃO DE FUNDOS – PRECEDENTES DO STF – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA MÁ-FÉ – ABSOLVIÇÃO. O dolo no estelionato é aquele ab initio, vale dizer, a fraude existe antes da celebração do negócio. Não logrando êxito a acusação em provar que o acusado, quando entregou o cheque para a vítima, o fez fraudulentamente, conhecendo a impossibilidade do seu pagamento e buscando a vantagem ilícita, há que se decretar a absolvição.  (TJMG –  Apelação Criminal  1.0518.11.006371-7/001, Relator(a): Des.(a) Alexandre Victor de Carvalho , 5ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 29/10/2019, publicação da súmula em 04/11/2019)

Também se deve dizer que a emissão de cheque como garantia de dívidas e é devolvido por falta de fundos não configura o crime de estelionato, uma vez que falta o dolo do agente em fraudar a vítima, como também decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais:

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL – ESTELIONATO – CHEQUES SEM PROVISÃO DE FUNDOS – CÁRTULAS EMITIDAS EM GARANTIA DE DÍVIDA – CRIME NÃO CONFIGURADO – ILÍCITO CIVIL – ABSOLVIÇÃO DECRETADA. – A frustração no pagamento de cheque pré-datado não caracteriza o crime de estelionato, seja na forma do caput do art. 171 do Código Penal, ou na do seu § 2º, inciso VI, uma vez que o cheque pós-datado, popularmente conhecido como pré-datado, não se cuida de ordem de pagamento à vista, mas, sim, de garantia de dívida. (TJMG – Apelação Criminal 1.0069.12.000822-7/001, Relator(a): Des.(a) Cássio Salomé , 7ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 30/07/2015, publicação da súmula em 07/08/2015)

Assim, para a configuração do crime de estelionato na modalidade da emissão de cheques sem fundos é necessário que o agente, desde o início de sua conduta, tenha o dolo (elemento subjetivo do crime de estelionato) de fraudar, de enganar, a vítima, sendo a simples emissão de cheque sem fundo mero ilícito a ser cobrado na esfera civil.

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