As vezes o óbvio precisa ser dito, e essa decisão da 5ª turma do Superior Tribunal de Justiça acaba refletindo um pouco disso.
A lei 13.964/19, conhecido pelo nome de Pacote Anticrime, alterou diversos artigos do Código de Processo Penal, além do próprio código penal e legislações especiais. Uma das modificações ocorreu no art. 311 do CPP, que aborda justamente a conversão da prisão em flagrante para prisão preventiva.
A nova redação do art. 311 diz o seguinte:
“Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.”
Lendo o artigo completo não resta dúvida sobre a decretação da conversão da prisão em flagrante só poder acontecer se requerida pelo Ministério Público, pelo querelante/ assistente, ou por representação da autoridade policial. O referido dispositivo deixa claro que não cabe tal conversão de ofício pelo magistrado.
Porém, com a mentalidade inquisitória quem impera em parte das varas criminais pelo Brasil, muitos magistrados passaram a fazer malabares para converter a prisão em flagrante em prisão preventiva sem o devido requerimento do Ministério Público.
Em recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, a 5ª turma acolheu o pedido da Defensoria Pública do Estado de Goiás, no Habeas Corpus nº 590.039, e considerou inadmissível a conversão de ofíciom, anulando a decisão dada no caso.
Em seu voto o Relato, Ministro Ribeiro Dantas, destacou que a intenção legislativa era a busca pela efetivação do sistema penal acusatório.
Em seu voto o Ministro ainda citou decisões recentes dos ministros Celso de Mello (HC 186.421) e Edson Fachin (HC 191.042) em que o Supremo Tribunal Federal também concluiu pela inviabilidade da conversão de ofício do flagrante em prisão preventiva.
Na nova edição do livro (3ª Edição) do livro Estado Democrático de Direito e Processo Penal Acusatório: a participação dos sujeitos no centro do palco processual, o Dr. José Santiago, sócio do Escritório abordou sobre o tema:
” No sistema processual brasileiro o juiz poderia, de ofício (portanto, sem qualquer provocação das partes), decretar a prisão preventiva do acusado, conforme lhe faculta o art. 311 do Código de Processo Penal, durante o inquérito ou a ação penal. Frise-se que o referido artigo foi objeto de alteração pela Lei 12.403/2011, que, mais uma vez, perdeu o trem da história e deixou de aproximar o inquisitório Código de Processo Penal do modelo acusatório trazido pela Constituição. Somente a lei 13.964/2019, após 31 anos da Constituição, é que o artigo 311 do Código de Processo Penal foi alterado para excluir de seu texto a possibilidade de ser decretada a prisão de ofício pelo juiz. Apesar da exclusão demonstrar que a prisão decretada de ofício é ilegal, sobretudo com a expressa determinação da adoção da estrutura acusatória, o Código não trouxe uma vedação ao juiz em decretar a prisão preventiva de ofício. Contudo, entendemos que sequer necessitava de tal previsão diante da estrutura constitucional e da exclusão da expressão “de ofício” do art. 311 e a determinação do requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente como legitimados para requerer a prisão preventiva.[1]“
[1] SANTIAGO NETO, José de Assis. Estado Democrático de Direito e Processo Penal Acusatório: a participação dos sujeitos no centro do palco processual. 3ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020. p. 124.